DELUMEAU, Jean. A civilização do Renascimento. Lisboa: Estampa, 1984, vol.I
Por: Séfora Semíramis Sutil Moreira[1]
O Renascimento foi um movimento que atingiu a todos (de todas as classes) e foi uma válvula de escape do movimento que decorreu a Reforma da igreja. As tensões políticas fortaleceram o ocasionamento da Reforma.
A nobreza alemã foi a grande protetora do movimento reformista, apoiaram Martin Lutero. A burguesia apoiou e, também, os camponeses apoiaram este movimento.
Todas as tensões políticas vivenciadas por estas classes encontraram sua fissura no movimento de reforma da igreja.
Para se compreender a Reforma é preciso se retornar antes do século XVI, retornar ao século XIII onde inicia-se os descontentamentos com a igreja.
Mitraísmo: religião da Pérsia (atual Irã) aonde havia a crença na existência de duas divindades – uma boa e uma má. Após o séc. IX a Pérsia foi convertida ao islamismo, na Idade Média (séc. XII), penetrou na Europa cristã. Eram chamados de Cátaras.
A elite feudal fez campanha contra os cátaras. A penetração do catarismo na Península Ibérica fez com que esta se difundisse e nascesse correntes catarias dentro da própria igreja católica.
O cristianismo medieval era muito herético – tinha muitos elementos da cultura pagã. Entre os camponeses havia muitos cultos pagãos. A tensão religiosa já existia desde a Idade Medieval, portanto, não surgiu com Lutero.
Grande Cisma (1378-1417): durante quase 40 anos tiveram dois papas, estes dois papas surgiram porque duas ordens, de pensamento contrário, elegeram papas distintos sem consultar a outra parte, pois ambas se consideravam a parte de fé verdadeira. Estes dois papas que governaram de 1378 a 1417 excomungaram quase toda Europa cristã.
Os papas lutavam por poder entre eles, pelo domínio religioso. Nesta disputa a Europa foi dividida. Não havia conflito religioso entre estes líderes, o conflito era puramente político. Os dois se consideravam legítimos e escolhidos. A existência de dois papas causou muita crítica – começam a criticar a centralidade papal.
O Grande Cisma se tratou da reunião de religiosos pensadores que começaram a criticar esta centralidade do poder papal. Eles acreditavam que os Concílios é que deveriam ordenar as decisões da igreja. Eles acreditavam que o papa deveria seguir as determinações dos concílios, até mesmo porque este era o sentido original da própria palavra igreja (em latim significa assembléia).
No século XV os Concílios se fortaleceram, ganharam mais poder porque o problema criado pelos dois papas (as excomungações) permitiu que crescessem. Os papas não conseguiram suplantar o poder adquirido pelos Concílios, pois, neste momento, os conciliaristas estavam em grande quantidade e têm maior poder político. Somente no século XVI PE que o papado conseguiu retomar o seu poder e abafar o movimento conciliarista.
A posição conciliar ficou fragilizada na segunda metade do séc. XV, mas não foi abandonada, tanto que, posteriormente, houve o Concílio de Trento para reordenar o papado. Sendo assim, antes do Concílio de Trento a igreja era uma instituição que era constituída por partes de idéias diferentes e, em muitas medidas, contrárias.
A posição do papado se fortaleceu após a segunda metade do séc. XV fazendo com que laços, novamente, fossem estabelecidos com a monarquia.
É preciso que compreendamos que a experiência religiosa deste período tem sentido de proteção e salvação para os fiéis. Estes tinham a constante necessidade de proteção divina, pois corriam risco iminente (principalmente de morte). A estrutura do Estado moderno não conseguia assegurar boas condições de vida para a população, seja para ricos ou pobres (os pobres estavam mais a próximos do risco de inanição e das pestes, mas esta última amedrontava a todos – tanto ricos quanto pobres estavam sujeitos às pestes). O próprio rei Luís XIV perdeu filhos pela varíola. Além deste temor, os fiéis temiam pela alma, por sua não salvação e de ir para o inferno.
Razões da Reforma
Uma tese clássica sobre o acontecimento da Reforma concerne em dizer que foi uma conseqüência da má gestão da igreja.
A idéia de corrupção da igreja é dos próprios clérigos do século XV. O papa disse: “Das solas dos pés ao cocuruto da cabeça, não há no corpo da igreja uma única parte sã.”[2] A cúria papal; o alto clero; todos tinham noção das falhas da igreja.
Problemas
Ø Ordem monacal
- As ordens eram grandes proprietárias de terra, enriquecidas assim como a Ordem dos Beneditinos. Isso causava revoltas.
- Já as ordens mendicantes não possuíam terras.
Isto era um fator de conflitos entre as ordens.
Ø Deficiências do baixo clero
- Párocos com famílias e filhos morando dentro da igreja;
- Padres sem formação/ instrução, pois eram indicados pelos bispos.
- Vigários contratados pelos padres para fazer as celebrações religiosas (os vigários eram homens pobres e sem informação).
Esta falta de estrutura da igreja fazia com que a experiência religiosa não fosse rigorosa. Destarte, a igreja não conseguia fazer com que os camponeses seguissem somente o cristianismo. A grande crítica dos humanistas concerne nisso – na falta de conhecimento religioso por parte do clero da igreja (principalmente do baixo clero).
A preocupação de alguns membros religiosos (que comungavam com o pensamento humanista) com o paganismo camponês (que implica na condenação da alma) fez com que houvesse duras críticas.
Bispos e Cardeais: eram de origem nobre, viviam no luxo e fora da sede do bispado.
Papas: não seguiam o celibato e tão-pouco se dedicavam à ação pastoral.
Inquietação dos fiéis: temor; apego a virgem e as indulgências[3]; perseguiam os considerados feiticeiros e observavam ao novo avanço islâmico.
A partir do séc. XIV o Império Otomano expandiu-se e tem-se, também, um avanço do islamismo. Isso também era um problema que agravava os problemas da igreja.
Só é possível entender a Reforma se se compreender por que os fiéis mudaram de pensamento. Desde o séc. XIV e XV os fiéis vêem tendo descontentamentos com a igreja, mas no século XVI isto se agrava e há um rompimento destes com a igreja.
A igreja já tinha os problemas apontados pelos reformistas muito antes do movimento se intensificar (séc. XVI), mas foi a transformação dos fiéis que deu origem à pressão contra a igreja. O movimento de contra reforma foi fortalecido pela revolta do pároco Martin Lutero.
Martin Lutero e a Revolta
Além de frei e pároco, Martin Lutero, era professor universitário, portanto, homem conhecido em sua região (Alemanha), porém, não tanto quanto veio a ser depois do movimento de Reforma.
Lutero fez 95 teses denunciando os problemas da igreja, estas denúncias já vinham sendo feitas pelos humanistas, mas dada a pouca pressão popular a igreja as ignorava. Estas denúncias diziam respeito à corrupção da igreja. O texto de Lutero[4] era mais simples (escrito em alemão, língua vulgar, e de forma condensada) e, com a expansão dos livros devido a imprensa, teve maior alcance (mesmo das classes subalternas). Como a situação passou a ser outra, população comum e indivíduos influentes revoltados, a igreja teve que se posicionar.
A repercussão de seu texto juntamente com as críticas anteriores fez com que houvesse uma explosão de revoltas contra os problemas da igreja. O texto de Lutero não foi bem aceito pelo alto clero e pelo Imperador Carlos V não devido às suas críticas, mas a repercussão que este provocou. Lutero foi chamado a se esclarecer, mas não compareceu e só não foi morto por que a nobreza alemã ofereceu proteção a ele na Saxônia.
Em 1529 o imperador mandou que Lutero fosse entregue, mas os nobres protestaram contra a solicitação do imperador (por isso ficou conhecido, o movimento, como Protestantismo). Este protesto deu início a uma guerra civil em 1531 que durou até 1551 – esta guerra dividiu o império em regiões católicas e regiões protestantes.
Expansão do luteranismo
O luteranismo se expandiu pela Alemanha, Suíça, Escandinávia, Espanha, França. Na frança e Itália teve-se, posteriormente, uma refutação do luteranismo. Este movimento se expandiu onde o poder central encontrava-se enfraquecido.
Calvinismo
Calvino era francês e se fixou na Suíça. O calvinismo atingiu um público diferente do luteranismo. O calvinismo se alastrou na França e acabou gerando uma guerra civil na segunda metade do século XVI. Se expandiu na Holanda, Alemanha e, sobretudo, na Inglaterra e Escócia.
A estrutura calvinista era mais fragmentada e cresceu na Inglaterra devido a não decisão religiosa por parte do poder central.O calvinismo, na segunda metade do XVI, foi muito popular em grupos que desejavam que o peso do sacerdote diminuísse, portanto, conferiu “nova dinâmica à Reforma”.
Os Anabatistas
Os Anabatistas foi um terceiro grupo protestante que influenciou o movimento reformista da igreja católica. Estes eram bem mais fragmentados, retiraram todas as hierarquias eclesiásticas. Havia grupos anabatistas que apoiavam coisas que eram vistas como absurdas até mesmo pelos outros grupos protestantes, como as comunidades femininas. Estes foram perseguidos tanto pelos católicos quando pelos protestantes luteranos e calvinistas.
A igreja católica a partir da década de 1540 se posicionou contra as revoltas. Reformulou-se e tomou medidas como:
Santo Ofício: reorganização da máquina inquisitorial com o estabelecimento de um corpo de normas que ordenava os processos contra os hereges;
Companhia de Jesus (1540): Inácio Loyola e outros estudantes seminaristas deram início a Companhia de Jesus. Estavam mobilizados para a atividade missionária;
Concílio de Trento: Revisão de toda teologia católica e normatização da formação clerical. “Instituição de seminários para melhor formar o Clero secular.”[5];
Catecismo: ficou o catecismo oficial (método de intervenção para os párocos);
Índex: criou o índex, processo de averiguação de obras que eram consideradas heréticas. Todas as obras condenadas eram proibidas a leitura pelos fiéis, também, ficava proibida a comercialização e circulação.
Para Delumeau o principal problema era o teológico. Para ele, a partir do séc. XV e XVI houve uma “afirmação da devoção popular”, ou seja, uma significância maior foi conquistada pela devoção dos fiéis. O autor diz que a fé deste povo comum não era relevante para o alto clero, a religião atendia aos interesses da nobreza e de homens influentes e ricos. O ponto de vista dos trabalhadores comuns e dos camponeses não era levado em consideração.
A urbanização e o movimento da igreja com as instituições mendicantes fizeram com que a igreja se aproximasse do povo comum e destes com ela. Os problemas do povo, neste momento, passaram a criar demandas dentro da igreja.
No séc. XV houve um crescimento da pregação e do sentido desta para os fiéis. Isto fez com que aumentasse a demanda do pregador por evangelizar os membros da igreja. Os fiéis passaram a buscar mais o entendimento da palavra divina (evangelhos) e como nem toda população era letrada e também como o livro não era muito acessível aumentou a demanda dos padres para o trabalho de pregação. O padre tornou-se, portanto, o mediador entre o conhecimento do evangelho e o povo comum. Houve então uma crescente necessidade de pregadores.
Principal crítica de Lutero: Para ele o maior problema era a má pregação por parte dos clérigos, nem tanto os problemas morais que estes tinham (vida além do celibato). Esta foi sua crítica mais importante, pois continuou a ser a que menos tinha relevância pelas pessoas (os indivíduos condenavam as práticas imorais, não as toleravam, entretanto, não se preocupavam muito se a pregação da palavra divina era coerente ou não).
A falta de medida para este problema, que segundo Lutero era o mais grave, por parte da igreja causava grande descontentamento dos clérigos que se preocupavam com isso, vindo a provocar um questionamento da importância do sacerdócio na vida social.
Ascensão dos leigos
No final do séc. XIV e início do XV houve uma emergência dos homens leigos dentro da igreja – cresceu as irmandades e confrarias. O crescimento destes apêndices da igreja (irmandade e confrarias) permitiu que mais homens leigos pudessem experimentar da vida religiosa, portanto, se preocupar com os problemas da igreja. E vale lembrar que eram nestas instituições que os problemas sociais eram resolvidos (alimentação, doenças, festas, etc.). Então, estes grupos leigos conseguiram ter relevância no funcionamento da instituição eclesiástica.
Esta característica acentuou os problemas da igreja que eram debatidos e culminou na Reforma. Os sacerdotes começaram a perder poder para os leigos.
Os clérigos e os sacerdotes não são vistos, pelos luteranos e calvinistas, como indivíduos capazes de perdoar o pecado alheio.
Estes fatores tiveram como ponto importante o “individualismo religiosos”, ou seja, a emergência da devoção dos fiéis – isto significa dizer que estes passaram a comungar da experiência religiosa e, além disto, a experimentá-la fora da instituição física (no isolamento de sua mente). Esta idéia de experiência religiosa fora da igreja foi incentivada do Inácio Loyola, da Cia. de Jesus, aos missionários que iam às mais distantes regiões em missão religiosa, portanto, onde a religiosidade precisava ser passada fora do âmbito institucional. Este entendimento de experiência religiosa fora da igreja (meditação) traz o sentido de unidade do indivíduo com Deus, em outras palavras, da interação do homem com Deus sem necessidade da intermediação de um sacerdote.
Então, um princípio que surge dentro da própria igreja, com Inácio Loyola, deu margem para o questionamento da importância dos sacerdotes na vida religiosa.
Devotion Moderna: teólogos que acreditavam que através da meditação se era capaz de se ter uma experiência religiosa – assim o indivíduo conseguia se equilibrar e ligar-se a Deus. (Movimento anterior a Lutero).
Indivíduo Moderno: era o homem que conseguia ter seu controle e a experiência religiosa através da meditação.
O surgimento do homem moderno causou um baque na igreja, ela precisava modificar-se para não perder seus fiéis. Entretanto, o aumento do individualismo religioso fez com que o sentimento de culpa aumentasse, pois antes o que a igreja resolvia pra o indivíduo passou a ter que ser resolvido por ele mesmo. Ou seja, emergiu a consciência individual, cresceu o medo do Juízo final e aumentou a necessidade de perdão.
O aumento do sentimento de culpa e busca por perdão e salvação fez com que a igreja permanecesse sendo útil aos fiéis. Lutero e a igreja teram posicionamentos diferente quando aos problemas dos homens (as salvação da alma).
Igreja: diz que a salvação da alma se dá pela caridade e confissão.
Lutero: Diz que somente Deus dá a salvação e o perdão, pois ele é onipresente e onisciente. A salvação. Acima de tudo, depende de deus.
Calvinistas: acreditavam que Deus escolhia os que seriam salvos, os salvos eram reconhecidos por suas ações. Sendo assim, não há o perdão, pois os salvos foram pré-selecionados do Deus.
[1] Graduando em licenciatura/ bacharelado em História pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) - 2015
[2] DELUMEAU, Jean. A civilização do Renascimento. Lisboa: Estampa, 1984, vol.I, p. 124
[3] Concessão de esmolas à igreja, mas acabou se tornando uma “máquina de arrecadação” de bens dos fiéis pela igreja. Havia mesmo um comércio de venda de indulgências para garantia da salvação da alma.
[4] Suas teses foram publicadas em 1517.
[5] Idem.
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