CERTEAU, Michel de. A invenção do Cotidiano. Petrópolis/ RJ: Vozes, 1998
Por: Séfora Semíramis Sutil Moreira[1]
Culturas Populares
“Uma arte brasileira”
Michel de Certeau pontua como sendo “opaca” a “cultura popular”, uma vez que está é uma mescla do que o poder dominante impôs com traços de utopia (do mundo idealizado pelos ‘sofredores’). Podemos dizer que o autor acredita que esta cultura não tem essência naturalmente própria – se apropria das construções do senso comum, que não estranhamente, são construções ditadas conforme moldes de uma cultura dominante.
E esta arte brasileira não ganha muita importância num cenário onde a cultura dominante é historicamente reinventada (até na historiografia).
“A enunciação proverbial”
O autor diz-nos do rigor que se deve ter quanto aos objetos de estudo, para que os a priores consensuais que carregamos se exprima nas narrativas. Ou seja, para se buscar a verdade por detrás do que o objeto aparenta ser é preciso isolá-lo de seu lugar de poder.
“Lógicas: contos e artes de dizer”
“Toda sociedade mostra que, em algum lugar, as formalidades a que suas práticas obedecem.”
Certeau exemplifica essas formalidades com as regras de um jogo. As formalidades pelas quais seguimos parecem estar escondidas, de modo que não as percebamos, pois são muito complexas à explicação, mas, em contrapartida, muito comuns à vivência – assim como a realidade e a reprodução da realidade em um jogo. A realidade é complexa, mas, com alguns empecilhos, conseguimos conviver com ela, já o jogo é de menos complexidade, pois se reduz sua explicação para que se possa passar por suas etapas (tem um propósito comum e último a todos os jogadores, ou seja, vencer). Levado para âmbito da realidade, portanto saindo da esfera micro do jogo, no viver, muito do que fazemos, e, principalmente, o porque fazemos, fica subliminar. Dito de outra forma, fazemos por que aprendemos que assim deveria ser ou por não termos muito tempo para pensarmos antes de tomar determinadas decisões acabamos por não compreender de forma lúcida muitos aspectos de nossa própria cultura.
O jogo nada mais é do que a representação diferenciada e simplificada da vida humana. Os contos literários são similares, mas compreendendo que eles falem mais diretamente sobre as especificidades cotidianas do indivíduo comum. Os jogos são simulações de disputas de poder, já os contos dizem dos conflitos cotidianos, dos desejos simples dos pobres, por exemplo. Em grande quantidade invertem a ordem da realidade quando coloca o oprimido como vitorioso em situações que, bem se sabe, na vida real dificilmente aconteceria. Ou seja, os contos dão um panorama da realidade, mas em grande medida são a representação de um desejo que dificilmente poderia se realizar do mundo da vivência (o pobre que enriquece, a camponesa que vira rainha, etc.).
“Uma prática de dissimulação: a sucata”
O autor diz que as representações da cultura popular são superficiais – se embasam em elementos “físicos ou lingüísticos” sem entendê-los profundamente. Este tipo de reconto da realidade é deformado, pois não chega a considerar que o que vemos com olhos historiográficos pode, também, ser uma deformidade da realidade, dada intencionalmente por seu interlocutor que procura moldar os traços que se dizem culturais (ou específicos de uma cultura) conforme gostaria que fosse ou por simples prazer de moldá-los. O autor chama isso de táticas populares.
“Fazer com: usos e táticas”
Apesar da sucata que o historiador possa construir com a subjetividade dada pelo objeto cultural, ainda assim, se é possível realizar “operações racionais” com o que a cultura oferece.
“O uso ou o consumo”
O autor questiona como o indivíduo comum reage com tudo que consome, como ele apropria o que vê nas mídias sobre sua existência, por exemplo. Diz que há uma distância, ditada pelo poder, entre o espectador e a TV, assim como haveria entre o colonizador e um nativo. Mas, nem por isso deixou de existir a aproximação. Ou seja, por mais que se desconheça a realidade do outro um caminho entre um mundo e outro é feito, por mais que muitas das vezes ele não explique o que de fato é a cultura alheia.
A composição sistemática de um determinado aspecto tem um sentido. No entanto, seu uso, ainda mais depois de apropriações, pode ter sentido diferente – podendo ser similar ou não à sua matriz. O autor diz que a apropriação torna-se um signo – carrega uma informação representativa de sentido – trata-se de uma semiologia. Dito de outra forma, carrega em si a representação do sentido que possa se expressar determinada realidade cultural. Certeau diz que o mesmo acontece com a língua, que é um sistema dotado de significados, mas através de sua apropriação individual/ grupal pode ter seu sentido original transmutado. Em outros termos, a palavra pode ter significado diferente da língua, pois a palavra é o uso da linguagem. A palavra pode tornar-se um signo da língua conferindo-lhe um novo sentido.
“Estratégias e táticas”
O autor diz-nos que as resinificações do sistema matricial (original), inerentes ao uso, podem fazer deste um elemento que tenderá ao desaparecimento, uma vez que perderá seu sentido original.
[1] Graduando em licenciatura/ bacharelado em História pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) - 2015
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